Cinquenta membros das comunidades judaicas do Brasil, Argentina, México, Uruguai, Chile, Peru, Panamá e Costa Rica reuniram-se de 14 a 16 de fevereiro em Havana para participar do seminário Nahum Goldmann Fellowship, patrocinado pela Memorial Foundation for Jewish Culture, com o tema “A Reconstituição da Vida Cultural Judaica na América Latina”. Foi o primeiro evento dessa natureza em Cuba desde 1959.

Na delegação brasileira, Fernando Lottenberg, presidente da Conib; Eduardo Wurzmann, secretário-geral; Alberto Milkewitz, diretor institucional da Fisesp; Michel Schlesinger, rabino da Congregação Israelita Paulista e representante da Conib para o diálogo inter-religioso; Kelita Cohen, Thais Lancman e Lyvia Stahl, bolsistas brasileiras selecionadas pela Memorial Foundation. O programa foi liderado pelo professor Daniel Fainstein, do México.

“Ficamos muito contentes com a realização do evento, que propusemos à comunidade cubana durante nossa visita ao país, em janeiro em 2015, e à Memorial Foundation, em fevereiro. É importante que tenha sido realizado justamente lá, não apenas como uma forma de fortalecer a integração dos judeus cubanos à vida cultural judaica latino-americana, como também para mostrar solidariedade à comunidade judaica, que não teve oportunidades de realizar eventos como esse nas últimas décadas”, afirmou o presidente da Conib, Fernando Lottenberg.

Os encontros aconteceram no Patronato, a confederação israelita local. Entre os assuntos abordados, as transformações pelas quais as comunidades da região têm passado, seus principais desafios e cenários para o futuro, o movimento de boicote a Israel, o antissemitismo, emigração, envelhecimento, a relação entre as diferentes correntes religiosas, o pluralismo nas fontes judaicas clássicas e em nossos dias.

“Se, por um lado, as comunidades enfrentam desafios semelhantes, constatamos que elas se encontram em fases muito distintas no equacionamento desses obstáculos”, disse o rabino Schlesinger.

 

CUBA

Contexto da América Latina para as comunidades judaicas

Um painel discutiu o contexto macro da América Latina para as comunidades judaicas. De um continente de imigração para um continente de emigração de judeus. Estima-se que um em cada três judeus nascidos na América Latina vivam hoje fora da região. As próximas décadas serão decisivas para o futuro das várias comunidades: 90% dos judeus no mundo vivem nos 20 países com maior IDH, e a crise da América Latina é um desafio a ser enfrentado. Movimentos ortodoxos crescem em vários países e, ao mesmo tempo, a base demográfica das comunidades se altera, com o aumento dos casamentos exogâmicos.

“A necessidade de educação judaica permanente é uma realidade: há que se repensar processos educativos que ofereçam opções atrativas e relevantes para todos os grupos de idade e interesse. Isso tudo acontece em momento de crescimento do antissemitismo. As comunidades judaicas, nesse contexto desafiador, devem ser um espaço solidário e seguro de convivência e ressignificação, como recurso para revitalizar a vida judaica. Elas configuram um espaço presencial e virtual que orienta, inspira e estimula as pessoas”, afirmou Eduardo Wurzmann, secretário-geral da Conib.

Situação de cada comunidade judaica

Neste painel, podia-se definir em um mapa a situação das comunidades como “defensiva”, “positiva”, “pesadelo” ou “mais do mesmo”. As realidades são muito diferentes, por conta do tamanho, realidade do país, força do antissemitismo, e foi possível trocar experiências sobre a forma como as lideranças comunitárias organizadas estão tratando a situação. Em outro painel, os participantes foram instados a definir os componentes de sua identidade judaica, entre religião, cultura, associação, Israel e antissemitismo. Não surpreendentemente, as pessoas atribuíram importância diferente para cada um destes ingredientes na sua identidade.

Apresentações de Schlesinger e Milkewitz

O rabino Michel Schlesinger abordou o pluralismo judaico no Talmud e nos dias de hoje e conduziu uma sessão de discussão sobre a forma como analisamos questões, utilizando a experiência da Mishná e do método de “Chavrutá”, em que os debatedores são divididos em duplas e incentivados a analisar as questões de mais de um ponto de vista.

Alberto Milkewitz apresentou o projeto da Unibes Cultural, uma entidade assistencial de 100 anos, que em 2015 passou a estender também os benefícios da cultura à sociedade brasileira.

O México apresentou o projeto Cadenas, no qual a comunidade judaica participa ativamente em atividades de ajuda e salvamento em desastres naturais. A Argentina mostrou um projeto de “turismo judaico” na América Latina.

Judeus em Cuba

Em 1939, o navio Saint Louis, que levava 900 judeus saídos de Hamburgo na Alemanha, permaneceu por uma semana perto do porto de Havana. Durante aqueles dias, os familiares que haviam chegado em fluxos imigratórios anteriores precisaram contratar lanchas para avistar mais de perto os passageiros. Enquanto isso, representantes da comunidade judaica negociavam o desembarque com as autoridades cubanas.

As negociações não prosperaram, e o navio foi obrigado a partir. Depois de ser recusado também por autoridades canadenses e americanas, o transatlântico retornou para a Europa. Dos 936 refugiados originais (um homem morreu durante a viagem), 254 foram mortos no Holocausto.

Os participantes do seminário puderam conhecer de perto esta e muitas outras histórias da calorosa comunidade judaica cubana que já contou com 20 mil membros e hoje possui 1.200, divididos entre três sinagogas na capital, Guantánamo e algumas outras cidades do interior da ilha.

Memorial Foundation

A Nahum Goldmann Fellowship tem como público-alvo homens e mulheres entre 25-40 anos que demostrem interesse na cultura judaica e com potencial para crescimento e liderança comunitária.

A Memorial Foundation foi fundada em 1965 com fundos de reparação por parte do governo da então Alemanha Ocidental. Seu objetivo inicial foi a reconstrução da vida cultural judaica em todo o mundo após o Holocausto. Hoje, tem por missão preservar a identificação e o conhecimento cultural judaico, apoiando a formação de líderes comunitários e profissionais competentes e incentivando o estudo, pesquisa e publicação científica de acadêmicos judeus espalhados pelo mundo.

Por meio de bolsas de estudo, visa promover a conexão judaica globalmente e desenvolver o capital social do povo judeu. Fernando Lottenberg é o secretário da Fundação.